O conto deste mês inicia-se assim: Vieram de manhã cedo, a casa adormecida recusando preguiçosa a admiti-las em seu cotidiano.
Apenas conto que a empregada levantou-se entre resmungos para abrir a porta. Aceitou-as impassível em sua sonolência, dentro da gaiola em que estavam. O homem que as trouxera exigira apenas um sabonete em troca.
Não sei se chegaram a saber disso ― talvez não, pois quem sabe a troca mesquinha faria oscilar o orgulho delas, amenizando-lhes a ousadia no encarar-nos.
Sobre a mesa, uma encolhida contra a outra, massa informe, cinzenta e tímida, onde ainda não se distinguia o grito amarelo dos olhos, aguardaram pacientes que o sol subisse e as gentes acordadas viessem cercá-las de espantos e
sustos. Meu pai no entanto não lhes deu atenção.
Constatou-as e passou adiante, em direção ao banheiro. Minha mãe sorriu-lhes, tentando a primeira carícia, recusada talvez por inexperiência de afeto, contudo, não as penetrou fundo, anexando-as inofensivas em seu esparramar de bondade sem precauções.
Foram as crianças as primeiras a hesitar, num recuo que seria de ofensa se pertencesse à gente grande. Crianças, trocaram assombros frente à estranheza dos bichos nunca antes vistos. Por terem menos tempo de existência eram talvez as mais vulneráveis ao mistério.
O viver constante, demorado e desiludido dos outros, acostumados à dureza não poderia por caminhos diretos render-se à solicitação dos olhos delas, mas a inexperiência das crianças levava-as ao extremo oposto de desrespeitá-las em sua individualidade, trazendo-as sem cerimônias para seu mundo de brinquedos. Perguntaram o nome dos bichos à empregada atarefada em passar café.
Coruja — foi a resposta seca, desinteressada, como se se tratassem de um saco de açúcar.